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Ponencias:

A Paróquia com carisma agostiniano

A PARÓQUIA COMO COMUNIDADE DE COMUNIDADES

COMUNICACIÓN Y EVANGELIZACIÓN...  algunas prácticas

CAFAYATE: UNA EXPERIENCIA DE PARROQUIA MISIONERA

ENCUENTRO CONTINENTAL DE PASTORAL PARROQUIAL URBANA Y MISIONERA

A Paróquia com carisma agostiniano

Pe. José Manuel Morales, OSA
São Paulo, 7 a 10 de janeiro de 2003
(Encontro Continental de pastoral paroquial urbana e missionária - OALA)


INTRODUÇÃO

            Do título talvez se pode já deduzir que ninguém de nós se sente satisfeito (realizado) só pelo fato de exercitar o ofício de pároco ou vicário paroquial. Temos consciência de ser herdeiros e transmissores de “algo mais” que não nos pertence: o dom que o Espírito entregou à Ordem de Santo Agostinho e que chamamos “carisma agostiniano”. “O melhor serviço da comunidade religiosa à Igreja é o de ser fiel a seu carisma” (“A vida fraterna em comunidade 61”).

            De outro lado porém quando dizemos “paróquia com carisma agostiniano” não estamos pensando em algo superposto, uma espécie de selo de correios que podemos pegar numa carta (à paróquia X) e o carisma fica automaticamente “colocado”.

            Ninguém de nós acredita que o tal carisma possa ser algo tão externo, superficial e manipulável. O carisma agostiniano – pensamos – não pode viver isolado do nosso próprio ser. Vem-me à mente as palavras do Evangelho: “Não se poderá dizer “está aqui” ou “está ali”, porque o Reino de Deus está entre nós”. (Lucas 17, 20-25).

            O carisma é uma presença de Deus (VC 19) – Reino de Deus, portanto -. Deverá estar “entre nós” pessoas e comunidades que formamos a Família agostiniana.

Por isso penso que a primeira coisa que temos que fazer é definir o que entendemos por carisma. Mas antes...

Duas observações prévias:

1.                        Eu não falarei do que “somos” mas do que “devemos ser” na paróquia, oferecendo brevemente só alguns traços que considero mais essenciais. Me servirei, para isso,  da síntese da espiritualidade descrita nas nossas Constituições. Estou convencido que é prático falar do nosso “dever ser”. Porque acredito naquelas palavras de Antoine Saint Exupéry: “Se você quer construir uma barca, não reúna as pessoas para buscar a madeira, preparar os instrumentos, distribuir as tarefas e organizar o trabalho, mas dedique-se a despertar nessas pessoas a nostalgia pelo mar aberto e infinito”.  O nosso “dever ser” poderá parecer algo abstrato -“nostalgia”-  mas será sempre o desígnio de Deus sobre nós, o “Ideal” e o horizonte que “move” e dá sentido à nossa vida.

2.                        Quando falo aqui em “Família agostiniana” estou pensando também nas Fraternidades agostinianas de leigos ou pelo menos nos leigos mais próximos ao nosso espírito e ao nosso trabalho. Talvez por aí se configure a Família Agostiniana do futuro. (“A caminho com Santo Agostinho”, introdução p. 16).

PRIMEIRA PARTE

O CARISMA AGOSTINIANO

I,1. - Qual a definição de “carisma”?

Como podemos definir o carisma?

            Eu não encontro uma definição melhor do que aquela do documento “Mutuae relationes” (nº 11): “é uma experiência do Espírito transmitida aos próprios discípulos para ser por eles vivida, custodiada, aprofundada e desenvolvida constantemente em sintonia com o Corpo de Cristo em crescimento perene”.

            “Uma experiência do Espírito”.

            Os agostinianos temos hoje mais que estudado o tema das nossas origens.

            “Experiência do Espírito” foi certamente a de Agostinho e seus companheiros.      “Experiência do Espírito” foi sem dúvida a reunião daquele grupo de eremitas convocados pela Igreja no século XIII, (ano 1244) e “a Grande União” de Santa Maria del Pópolo (ano 1256).

            “Experiência do Espírito” foi a daquele grupo de agostinianos que, pelo Breve de Adriano VI, se transformaram em pregadores e lançaram-se à evangelização da América podendo converter-se em párocos e desempenhar uma atividade apostólica fora dos conventos.

É interessante aqui que afirmava Balbino Rano num congresso de Roma: Somos, como Ordem, alma e corpo. A alma é a “agustinidade” (a herança, o espírito de Santo Agostinho); o corpo é a fraternidade apostólica que se forma no século XIII. Para sermos “Ordem de Santo Agostinho” tão necessários são a alma como o corpo. (La búsqueda de Dios , Publicaciones Agustinianas, Roma 1981, pg. 218-235)

            O que nos interessa agora é saber onde e como continua vivendo, sendo custodiada e desenvolvendo-se hoje aquela experiência do Espírito.

            Porque só assim depois poderemos entender de que maneira este dom do Espírito pode e deve ser oferecido, como um “serviço carismático”, no âmbito da paróquia que nos foi encomendada.

I, 2. - Qual a terra onde nascem e cultivam-se os carismas?

Interessa, antes de nada, identificar bem o solo onde nascem, vivem e se desenvolvem os carismas.

            Se contemplarmos a Igreja como um jardim onde floresceram ao longo dos séculos estas experiências do Espírito, é bem patente a terra em que elas se cultivam. Todas as espiritualidades nascem do Evangelho, são palavras do Evangelho iluminadas, vividas e experimentadas; são flores que mostram manifestações diversas do Espírito, todas evangélicas, todas elas expressões do mesmo Cristo que é na realidade quem floresce (“Eu estou com vocês até o fim do mundo”).

            A teologia da vida religiosa vê o desenvolvimento dos carismas como um Evangelho vivo que se atualiza em formas sempre novas, um Evangelho desplegado no tempo e no espaço, um majestoso Cristo feito presente na Igreja através dos carismas dos santos (cf. Instrumentum Lavoris para o Sínodo dos Bispos sobre a vida consagrada (1994) L’Osservatore Romano, ed. esp. XXVI (1994), nº 26 p. 370; “Partir de Cristo” nº 2; Ver Pio XII, “Mystici Corporis:  AAS 35 (10\943) 214-215; LG 46)

I, 3. - Retornar ao Evangelho, por que?

Sem dúvida é por isso que o Concilio indicou aos religiosos o retorno ao Evangelho como o primeiro grande principio de renovação (PC 2).

            Se na nossa Regra e nas nossas Constituições “se encerra um itinerário de seguimento de Jesus qualificado por um carisma especifico autenticado pela Igreja ( VC 37) é porque esse itinerário traduz uma interpretação do Evangelho (PdC 23).

            Aquilo que dará sempre garantia ao carisma, portanto, a qualquer carisma, será “o encontro vital com o Evangelho”. É ele que imprime (nas pessoas) os traços do Verbo encarnado” (PdC 24). Depois é este “Verbo Encarnado” em nós, que faz o agostiniano, o franciscano, o dominicano...

                        Desculpem a bobagem. Agostinho não foi um agostiniano. Foi um Jesus Cristo com um DNA diferente de São Francisco ou São Domingo. Bastaria ler a Carta 25 de Paulino de Nola a Santo Agostinho: "Jesus Cristo transformou-se dentro de ti numa fonte de água viva.

                        O nº 22 de nossas Constituições diz: “Esta espiritualidade (agostiniana) é antes de mais nada evangélica e eclesial. Pois no inicio da Regra a primeira e principal coisa que se nos propõe é guardar o Evangelho ou seja os preceitos de amor a Deus e ao próximo, a semelhança da primeira comunidade da Igreja constituída sob os apóstolos em Jerusalém (CC 22).

           

I, 4. - O carisma pode ficar oculto atrás das palavras?

Só no Evangelho valem e existem os carismas.O carisma ou é Evangelho vivido, verdadeira “experiência do Espírito” ou então é uma flor murcha. Imagino o carisma como aquela árvore do Salmo 1 plantada “junto d’água corrente, que dá fruto no tempo devido, e suas folhas nunca murcham”.

            O carisma é um dom de Deus que posso negociar ou enterrar.

            O hábito não faz o monge. O formalismo e a esclerose, “duas ameaças” das quais nos advertia Paulo VI na “Evangélica Testificatio” (nº 12) podem murchar o carisma e deixar oculto atrás das palavras (PdC 12; Doc. de Dublin nº 63). Revitalizar o carisma exige revitalizar a vida evangélica.

            A sociologia se encarrega de nos lembrar que as Ordens religiosas, sendo uma experiência vivida na história, podem afastar-se e afastam-se de fato muitas vezes da sua fidelidade às origens. As origens são o Evangelho. E é aí onde se nos pede seguir regando a planta se quisermos mantê-la viva.

Voltando ao exemplo do jardim, “soprar as pétalas da flor e endireitá-las para levantar a corola e mantê-la direita, é uma operação efêmera e inútil. Para que a flor se revitalize é preciso intervir na raiz não na corola” (Fabio Ciardi. Cuadernos Abbá 3 Ciudad Nueva Madrid 2000 p. 62).

             

I, 5. - Uma experiência fundamental de Agostinho: a sua compreensão original do Evangelho

            Agora nos perguntamos: qual foi a compreensão original, desde que ângulo de visão, Agostinho compreendeu o Evangelho.

            Para Agostinho, a caridade – patente ou oculta – está por baixo de cada palavra da Escritura (Santo Agostinho Sermão 350, 1-3; CC 24); é a sua "raiz" (Comentário à Carta de São João II,9; III, 12; V, 10; VI, 2) é o subsolo de todas as palavras reveladas.

Foi esta uma experiência de Agostinho:

            “...Eu não só acredito que destes dois mandamentos (amor a Deus e amor ao próximo) dependem toda a lei e os profetas, mas é que eu também experimentei cada dia que não há um só mistério ou palavra obscura da Sagrada Escritura que cheguem a se esclarecer para mim, a não ser que a relacione com estes dois mandamentos” (Doutrina Cristiana 1,36,40).

            Agostinho penetrou, pois, no Evangelho através deste “buraco” inspirado: a caridade, o ÁGAPE, como “amor social”, “amor de comunidade”, a caridade que gera a comunhão, como na primitiva comunidade de Jerusalém, a caridade da vida comum.

            A centralidade da caridade é a essência do carisma de Agostinho.

Explica isso muito bem H. O. von Balthasar: “Há coisas que o Espírito Santo iluminou de uma vez só e coisas já conhecidas mas sobre as quais não se refletiu de verdade. A história da Igreja é testemunha disso. Antes de Francisco de Assis ninguém tinha compreendido verdadeiramente a pobreza de Deus e de Cristo... antes de Agostinho, ninguém tinha visto o amor de Deus da maneira como ele viu” (Viaggio nel post – Concilio. Suplemento 30 Giorni, Novembro 1985 p. 47).

           

I, 6. - A “experiência” que os agostinianos oferecemos

O nº 18 das nossas Constituições é particularmente inspirado:

“A experiência (sublinho a palavra: experiência) da fraternidade sincera e a tendência dinâmica agostiniana para a verdadeira amizade, para o amor e a ajuda mútuos, deve imprimir uma nota peculiar e característica às obras do nosso apostolado e ser testemunho vivente da ativa comunidade cristã”.

Antes de oferecer temas agostinianos aos paroquianos; antes da celebração das festas do nosso calendário, o que nós oferecemos é “a experiência da fraternidade sincera... etc.”. (Cfr. CC nos  8, 11, 23, 30, 31, 112, 533)

            O mosteiro agostiniano de fato foi esse "testemunho vivente" da Caridade comum e da unidade da Igreja contra a concepção donatista. (CC 25; A. Manrique. Teologia agostiniana da vida religiosa. El Escorial 1964 p. 30).

A “Anima Una Christi” que  Agostinho encarnava nos seus mosteiros apresentava-se como sinal inequívoca da vitalidade da Igreja. A “Anima Una Christi” do mosteiro é “Anima Una Ecclesiae”.

Se “evitar que se esfrie a caridade” que anima a Igreja inteira (ET 3) é responsabilidade dos consagrados, o é em especial dos agostinianos.

            Aqui talvez pode residir uma dificuldade para a nossa “identificação” carismática.

Ter na Igreja a missão de sublinhar o que é essencial e comum, a caridade, pode parecer que nos dilui e não nos identifica. Seríamos mais “identificáveis” se nos dedicássemos aos enfermos como os Camilianos ou à educação como os Maristas. Mas aí está talvez a grandeza da nossa vocação e o desafio da nossa responsabilidade.

I, 7. - A Igreja (a paróquia?) “casa e escola da comunhão”

            Para nós agostinianos que centramos todas as normas da Ordem na comunhão (CC 26-27), é uma “boa notícia” (no sentido mais evangélico da expressão) que a Igreja toda, que é a nossa fundadora, tenha assumido para o terceiro milênio o desafio de se transformar “na casa e na escola da comunhão” (NMI 43).

            O mandamento novo, a Caridade, como alma de todas as estruturas de comunhão é apresentada pelo Papa, como empenho programático da Igreja universal e das Igrejas particulares.

            O documento de Dublin, atualíssimo depois de 28 anos, dizia assim:  “O Capítulo está convencido que se nós não conseguirmos uma renovação da vida comum à luz do Novo Testamento e do espírito de Santo Agostinho... não surgirá uma nova vitalidade na Ordem” (nº 64).

                        A comunhão que nos foi proposta “com a intensidade querida por Santo Agostinho” (nº 66) naquele Capítulo Geral Intermédio do ano 74 é a mesma que está sendo proposta na Novo Millennio Ineunte e no documento “Partir de Cristo”.


SEGUNDA PARTE

O NOSSO "SERVIÇO CARISMÁTICO" NOS ÂMBITOS DA PARÓQUIA

II, 1 – A paróquia “Lugar’ da Caridade comum. Os âmbitos da paróquia, manifestações do amor concreto

            Para agrupar os diversos âmbitos que abrangem a vida de uma paróquia, costuma-se falar de três aspectos: 1º a evangelização (o Kerigma e a catequese); 2º a liturgia e os sacramentos; 3º a caridade.

            Outras vezes consideram-se as quatros dimensões constitutivas da Igreja: Palavra, Liturgia, Caridade, Missão.

            Nós fundando-nos no pensamento agostiniano, partiremos aqui da caridade, do Ágape Trinitário como a dimensão central e mais verdadeira da comunidade cristã.

            “A comunhão encarna e manifesta a própria essência do mistério da Igreja” (NMI 142).

            Agostinho, bispo, dava freqüentemente à sua Igreja o nome de "Caridade". (Comentário ao Evangelho de João I,1). Nós também podemos olhar para a nossa paróquia como o “Lugar da Caridade”: "Caridade comum"; "Caridade organizada", como diria Paulo VI.

            Nosso serviço não tratará de mudar estruturas e atividades; intentará reavivá-las irradiando a caridade comum, renovando-as com o espírito da comunhão.

            Partindo, pois da Caridade (Ágape) como princípio constitutivo da Igreja, re-agruparemos os distintos âmbitos da vida paroquial, como categorias e manifestações do amor concreto, encarnado.

 

II,1,1-  ÂMBITO DA COMUNHÃO DE BENS E DA SOLIDARIEDADE NA COMUNIDADE PAROQUIAL

Santo Agostinho “tratou de renovar em nós, agostinianos, o ideal da comunhão de bens que reinava entre os primeiros cristãos, como o meio mais adequado – uma espécie de “sacramento” -  para alcançar a perfeita caridade, a unidade de almas e corações. (CC 66).

Quando em Atos se fala em comunhão (“koinonia”), entende-se sempre uma comunhão concreta, solidária. Implica certamente a união fraterna (Atos 2,42) e a unidade (Atos 4,32) mas concretiza-se na comunhão de bens. A comunidade tende a atuar a igualdade como numa família: quem tinha propriedades e bens “fazia partícipes delas a todos segundo a necessidade de cada um” (Atos 4,35), de maneira que entre eles não havia nenhum indigente (Atos 4,34).

“O amor comum e social“, que se contrapõe ao “amor privado” fez com que considerássemos todos os nossos bens, materiais e espirituais, como bens de todos; nós não os temos em propriedade, mas como confiados por Deus para a sua administração. Esse despojamento fez-nos pobres e humildes: cada um de nós não procurou seus próprios interesses, não amou o que era seu, mas pusemos tudo em comum. Isso nos tornou “templo de Deus”, lugar reservado para o Senhor. (Santo Agostinho – comentário ao Salmo 131,5; CC 29)

Este seria o primeiro sinal e a “maquete” evangélica que nós apresentaríamos aos fiéis para “construir” uma paróquia com estilo agostiniano.

Numa sociedade de desigualdades econômicas, torna-se o mais forte desafio, ensinar, com a nossa vida e a nossa doutrina, que os bens espirituais e materiais de cada pessoa tem uma dimensão social e que recebemos os dons de Deus para reparti-los com os irmãos (CC 29).

A comunhão de bens é para nós, agostinianos, o termômetro da caridade. Com ele medimos a união de almas e de corações em marcha para Deus.

É evidente que não haverá paróquia na Igreja que não dê valor à administração e à partilha. O organismo que se ocupa do dinheiro não faltará. Entre os deveres de um cristão está o de ajudar as necessidades da Igreja (CDC 2042). Certamente fazem-se coletas, desenvolvem-se atividades caritativas através de Cáritas, vicentinos e outros organismos e orienta-se a comunidade para a opção preferencial pelos pobres (Sollicitudo rei socialis 42).

Mas  o Ideal da “comunhão de bens” vai mais além. Pede uma verdadeira consciência da partilha. Não chega com a oferta dominical, por exemplo, se a administração dos próprios bens continua sendo considerada um fato privado ao serviço do próprio bem-estar e do proveito pessoal.

 

II, 1,2 - A cultura do “dar”

É o que podemos chamar a cultura do dar. É a aplicação do Evangelho: “Dai e dar-se-vos-á”, amar os outros como a si próprio, sentir-se solidários, um só corpo com os outros.

É uma mentalidade nova, um estilo de vida, em contraposição com a cultura do “ter”, do possuir. Para uma mentalidade agostiniana, será sempre “melhor precisar de pouco do que ter muito” (Regra).

Os princípios são claros:

-  Não somos donos absolutos dos bens que possuímos mas simples administradores.

-                     O supérfluo – “quod superest”- não é o que sobra mas aquilo que é demais do estritamente necessário. E não se mede com as nossas exigências mas em relação com as necessidades dos outros (concretamente dos pobres).

Santo Agostinho exigia a todos os cristãos a renúncia ao supérfluo para bem de quem está necessitado. (Comentário à 1ª Carta de São João 5,12)

“Possuir o que é supérfluo é possuir o que pertence ao outro”; “não dar o que sobra, é um roubo” (Comentário ao Salmo 147,12; Sermão 206,2).

“Aquilo que uma pessoa usa injustamente, não lhe pertence” (Sermão 50,2,4).

II, 1,3 - O trabalho, distintivo dos pobres

 “A necessidade do trabalho é o distintivo mais claro dos pobres” (CC 71).

O trabalho, no mosteiro agostiniano, era uma obrigação ineludível. Para que ninguém coma grátis o pão, pelo fato de ser comum, deve-se trabalhar.

Submetermos humildemente, nós os primeiros, à lei do trabalho com diligência e esforço, seguindo o exemplo de Cristo que não veio para ser servido, mas para servir (Mt 20,28) é certamente um dos mais significativos testemunhos que podemos dar à comunidade paroquial (CC 71).

São exemplares nas nossas paróquias as múltiplas formas de gratuidade (serviços não cobrados, voluntariados...) que tem sem dúvida um valor fortemente educativo de “contracultura” numa sociedade dominada pelo anseio de ganância. Obrar assim, gratuitamente obriga a todos a perguntar-se pelo sentido das nossas obras.

O povo humilde, depois, com a sua “simplicidade de sentimentos e palavras” (CC 74) ensina-nos melhor do que ninguém a viver “a pobreza de Cristo que não foi uma simples condição econômica, mas um mistério de anulamento”. Não se trata simplesmente de renunciar aos bens temporais, mas também a “todas aquelas coisas que tem um jeito de soberba como a vanglória, o culto da pessoa e atitudes semelhantes” (CC 74).

Nossos serviços na paróquia exigem competência, empenho, atualização. São a possibilidade de doarmo-nos a nós mesmos, de servir a Cristo na comunidade e o grande motivo da nossa alegria e de nossa realização pessoal. Levaremos a peito os múltiplos problemas de nossa gente (desemprego, exploração, etc...), mas também descobriremos e viveremos com eles o sentido cristão do trabalho. Nós não trabalhamos simplesmente pelo dever de trabalhar e nem movidos pelo objetivo de gerar e acumular dinheiro e riquezas. Não é um fim o trabalho, mas um meio para viver, partilhar e servir (OALA, “Espíritu Nuevo” p. 11)

II, 1,4 - A Providência é um “recurso”?

“A confiança na divina providência” é uma das virtudes indicadas nas nossas Constituições como fruto da pobreza evangélica (CC 67).

Uma economia baseada sobre o Evangelho não se alimenta só dos recursos adquiridos com o trabalho humano, mas conta com mais outra fonte: o Pai que está no céu.

Acreditar seriamente que aí está o nosso tesouro – no céu – (Mt 6,20; CC 67) e que “a grande e abundantíssima riqueza é Deus” (CC 67) supõe também acreditar que se “darmos ser-nos-á dado” (Lc 6,38), que existe o cêntuplo nesta vida, que a comunidade paroquial é mais do Pai próvido do que nossa e que Ele sabe intervir através dos irmãos, mas também – porque não – diretamente.

 II, 1.5 – A opção preferencial pelos pobres e as “novas pobrezas”

            No processo de renovação e revitalização que a Igreja Latino Americana viveu nos últimos anos (Medellín, Puebla, Santo Domingo...) uma das tendências mais significativas da vida consagrada no continente tem sido a evangélica opção preferencial pelos pobres.

            A nós, agostinianos, exortou-nos fortemente, por exemplo, o Capítulo Geral Intermédio de México (1980) para que “seja qual for a própria circunstância, o próprio talento ou profissão, realizemos a nossa ação evangelizadora desde a perspectiva dos pobres”(Acta Ord. XXV  (1980), IV, 4,6, b pg. 154, 155).

            A NMI insiste hoje em afirmar, com o evangelho, que “há na pessoa dos pobres uma especial presença de Cristo, obrigando a Igreja a uma opção preferencial por eles”. E explica: porque “é esse o estilo de Deus, o estilo de Jesus”. E depois de denunciar antigas e novas pobrezas (como a falta de sentido, a solidão, a exclusão social...) pede a toda a Igreja que os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, “como em sua casa” (nº 50). Como disse o cardeal Arns ao nosso Capítulo Geral Intermédio aqui no Brasil (1992): “a Igreja é a casa dos pobres”.

            Nós temos em Santo Agostinho o pastor profundamente preocupado com os pobres de seu tempo. O pároco agostiniano sentirá muitas vezes na própria carne aquilo que ele comunicava aos fiéis: “Muita gente pobre vem cada dia me visitar para pedir dinheiro, desabafando as suas penas comigo e pedindo ajuda. Me dói às vezes decepciona-los na suas expectativas porque não tenho bastante para todos” (Sermão 355, 4,5).

            A nossa herança, neste sentido, como Ordem de Fraternidade Apostólica, é grande. Agostinianos como Tomás de Vilanova, Nicolau de Tolentino, Alonso de Orozco, Estevão Bellesini – só para dar alguns exemplos – representam para nós um modelo de dedicação aos mais pobres e necessitados (cfr. CC 174; 201 b).

            É tanto o que se nos exige. O sistema todo econômico da paróquia – afirma Nicolas Castellanos – deveria ser manifestação da opção pelos pobres (De la parroquia de “cristiandad” a la parroquia “misionera” – 1999 pg. 26).

            “A iniqüidade do sistema” exige de nós ineludivelmente o compromisso com as grandes campanhas de solidariedade promovidas pela Igreja particular e pelas Conferências episcopais, (por exemplo, agora no Brasil, o “Mutirão nacional de superação da miséria e da fome”).

II, 1.6 – Pobreza e simplicidade de vida

            Não podemos esquecer que, na paróquia, nós somos expressão não só de nos próprios e da própria comunidade, mas de um Corpo de caráter internacional: a Ordem de Santo Agostinho.

            O tema da comunhão de bens na nossa Ordem foi tratado nos Congressos de espiritualidade de Roma. Ele levanta pontos de interrogação desafiantes sobre a pobreza – individual e coletiva – e a simplicidade de vida dos agostinianos. Por exemplo:

-                     A nossa pobreza procede da fidelidade consciente ao modelo agostiniano ou simplesmente corresponde à estrutura jurídica do voto de pobreza, comum a todas as ordens religiosas?

-                     Uma pobreza radical nas nossas comunidades corresponderia ao modelo agostiniano? Permitiria-nos levar para frente obras sociais e apostólicas, viagens, encontros, a formação dos nossos candidatos ao sacerdócio, etc...? Ou consistirá o nosso testemunho mais em dar exemplo de trabalho, de solidariedade e de comunhão, colocando sempre os nossos bens à disposição pública?

O que Interessa aqui sublinhar é como para nós agostinianos a pobreza está em função da união de almas e corações. É a prova de que existe a caridade, porque se antepõe o que é comum ao que é privado.

                A nossa pobreza é um meio, não é um fim; é um sinal, não é uma realidade última. A nossa pobreza tem uma clara função social.

                        Dito isso, é preciso sublinhar que a “Igreja e os homens exigem de nós um testemunho de pobreza individual e coletivo”. A sobriedade no uso dos bens, evitando toda a aparência de lucro imoderado (CC 72) e a capacidade de partilhar, de nos solidarizarmos e conviver com as vítimas da marginalização, são virtudes inerentes e necessárias a todo pároco agostiniano, em qualquer circunstância ele se encontrar (nº s 72, 174, 201 b).